quarta-feira, 28 de outubro de 2009

na contramão..

Hoje vi de perto a morte pela primeira vez. Ela estava ali, rondando. Encarei-a de frente. E senti medo. Não consegui olhar da segunda vez. Fiquei ali parada, vendo o homem arremessado ao chão. Eu gritei. Juro que gritei. Ali mesmo, dentro do ônibus em que eu estava. Eu que raramente grito, gritei em público como uma louca. Gritei porque senti medo. Medo do inesperado. E de repente, aquele senhor sentado ao lado no ônibus -aquele que tinha tomado o ônibus no mesmo ponto em que eu - estava ali estirado no asfalto. Tinha voado. Não morreu. Espero. Mas a dor que meu peito sentiu naquele instante foi dilacerante. Minha respiração ficou ofegante e o coração quase pulava pra fora, com vontade de correr ao homem e lhe oferecer um tanto de vida. Atormentei-me, a viagem não foi a mesma de sempre. Ainda estou atormentada.A simples menção ao senhor atropelado faz a sensação de efemeridade e insegurança voltar. Como pode tudo acabar tão de repente? Como pode se desfazer sem aviso prévio? Na realidade, não sei se ele findou-se. Mas poderia ter findado. E este simples fato me assombra ainda agora. E se tivesse ido? O que eu faria? Teria eu apenas gritado? Teria ido socorre-lo? Teria me desmantelado em lágrimas? Teria eu reagido? A dor é cortante, ainda me machuca. E a cena persiste em mim: tropeçou no céu como se ouvisse música. E flutuou no ar como se fosse sábado. E se acabou no chão feito um pacote tímido. Agonizou no meio do passeio náufrago.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

sucesso

Pasta em cima da mesa. Chave ao lado do telefone. Escada. Subir. Havia feito de tudo para subir. Havia conseguido? Sim. Camisa no cabideiro. Sapatos embaixo da cama. Os filhos já não mais o respeitavam. A mulher se afastava cada vez mais. Escada. Descer. Fundo do poço. Depressão. No emprego parecia invisível. O chefe não olhava mais para ele. Era como se não existisse. Se passassem na rua por cima dele, ninguém iria notar. Ele não notaria. Banheiro. Escova de dente. Espelho. Mirava sua face na tela. Era a sua face ali? Não reconhecia mais aquele homem. Torneira. Água escorrendo. Dúvidas. Escorrendo. Não sabia mais quem era. Interesses. Gostos. Anseios. Desejos. Aspirações. Sonhos. Quais eram? Não pensava nisso há tanto tempo. Pensar. Como era doloroso pensar. Dor de cabeça. Aspirina. Estava pronto. Escada. Subir. Sentia que, lá no fundo, preferia o marasmo. A apatia. Isso ele poderia suportar. Podia viver assim pelo resto da vida. Deitar. Seria medíocre. Quem se importaria? Dormir. Não sonhar.

domingo, 11 de outubro de 2009

Escrever...

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

Clarice Lispector

terça-feira, 6 de outubro de 2009

morangos mofados..

E se me vem à mente a mesma história, o mesmo poema, a mesma rima? E se as palavras que agora pairam em minha mente formam discursos já aqui reproduzidos? Li Vinicius, ouvi Chico, li Clarice, ouvi Beatles, li Caio Fernando Abreu. Nada me inspira. Queria ter “morangos mofados” para vomitar no papel. Mas não tenho. Sigo experimentando um, digamos, bloqueio criativo. Talvez eu esteja racional demais. Talvez eu mesma esteja impedindo minhas reflexões de virem à tona. Enfim, aguardo ansiosamente o familiar fluxo de palavras, fonte de minhas idéias, para poder passa-las ao papel.