sábado, 7 de novembro de 2009

Lo que importa es la no-ilusión...

"Não, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas,cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar."


Caio Fernando Abreu - Conto "AO SIMULACRO DA IMAGERIE"

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

balões coloridos...

E ela estava caminhando sem rumo. Andava a esmo. O apartamento lhe parecia opressor. Sentia-se comprimida, compactada. Mirava despretensiosamente suas coisas, pertences ao redor. Queria distrair-se. Mas nada captava sua atenção. Buscava cores, sensações, lembranças. Aquilo que havia perdido. E se a angústia a consumisse? Aquele gosto de vazio em sua boca a enjoava. Estava presa em sua rotina. E um marasmo aterrador a consumia dia após dia. Sentia-se presa em correntes invisíveis: a censura, a crítica, dogmas e preconceitos. A sua volta somente borrões. Imagens distorcidas de um mundo sempre igual. Sabia que não era assim, que as coisas tinham de ser diferentes. Mas enxergava a vida monocromática. Tudo cinza. Tudo cor de nada. Percebia movimentos, as coisas se moviam ao seu redor. Era a vida. Acontecendo. O mundo não parava de rodar. Mas as cores, as cores tinham sumido. Procurava as nuances, precisava encontrar. Queria sentir que ainda estava viva. Queria ver novamente o amarelo. Enxergar realmente o girassol que estava ao lado de sua mesa no escritório. Azul. O próprio céu agora não tinha cor. O mar se fingia de morto, escondia-se atrás da palidez descolorada. Ainda lembrava do laranja mamão papaia tão vivo, que dava pra sentir o gosto da comida. Última vez que vivera. Que sentira. Que fora humana. O fluxo de pensamentos que se agitava em sua mente era insano. Fazia com que o enjôo aumentasse, vertiginosamente. E o incômodo era cada vez maior. A busca parecia-lhe inútil. Encostou-se num canto. Estava no chão? Não distinguia a textura da madeira nobre ou do cimento mofado, cor de tabaco ou marfim acinzentado. Não sabia dizer se era frio ou quente, cor de gelo ou do ruivo dos cabelos da vizinha do terceiro andar. A náusea a impedia de pensar, talvez até de respirar. Agia por instinto. Ar. Precisava de ar. Aquilo tudo a sufocava. Sentia um aperto no peito, como se a empurrassem contra a parede. A janela. Via a janela. Aproximou-se titubeante do parapeito. Olhou para frente. Coisa que não fazia há muito tempo. Viu ao longe pequenos pontos coloridos. Coloridos. Eram balões? Sim. Um homem segurando balões. Ela o encarava perplexa diante da explosão de cores que a absorviam. Ainda não respirava. Rosa. O rosa bebê que seu pai pintara na porta de seu quarto na infância. Uma lufada de ar penetrou violentamente os pulmões vazios. Verde. O “verde que te quero verde” do seu vestido favorito. Aquele que usara na formatura da faculdade. O oxigênio percorreu rapidamente seu corpo. Olhou para o céu. Sentiu que quase podia tocar o céu de tão palpável. Púrpuro, azul arroxeado, lilás cianótico. Exatamente aquele dos fins de tarde de sua adolescência. Podia sentir célula por célula sendo revitalizada. Olhava admirada. Cada nuance. Cada tom. Sentia. A vida se fazia sentir naquele momento. Lembrou de cada detalhe de sua existência. Viver. Era o que desejava. E porque não faze-lo? Olhou mais uma vez o homem que carregava os balões. E viu. Ele sorria. Sorria porque carregava balões. Sorria enquanto soltava os balões. E estes subiram. Em espirais multicoloridas em um céu policromático. E ela ficou ali. Admirando. Aproveitando cada momento daquele instante. Sentia. E isso bastava.


Texto postado originalmente no blog: http://www.audiovisualverde.blogspot.com/