domingo, 27 de setembro de 2009

Clarice e a paz

Clarice andava em meio ao trânsito infernal de pessoas que circulavam na calçada. Ia imersa em reflexões, que pouco a pouco a tomavam por inteiro. Paz! Como ela a desejava. Três letras. Sonoras. Expressivas. Tão importantes. Caminhava apressada, ansiava pela quietude de sua casa. Era seu esconderijo. Paz! Tão facilmente conseguia exprimir o desejo comum a todos nós, seres humanos. Observava as pessoas ao redor, projetando-se nelas. Queria que agissem como um espelho. As pessoas a encaravam. Ou ela é que as estava encarando? Sentia uma náusea na boca do estômago. Ela aguardava que o semáforo permitisse seguir em frente. Havia estacado. A sensação que teve ao acordar ainda a incomodava. Clarice havia acordado com fome de simplicidade. Queria um mundo mais simples, menos burocrático. Queria entender o que estava ao seu redor, e desejava que a compreendessem da mesma forma. Queria não ter medo do desconhecido. Queria sentir segurança nas rotas estranhas. O sinal de pedestres continuava rubro. E ela queria tanto. Queria não mais querer. Queria livrar-se de todos os dogmas, de tudo que a acorrentava. Queria não se sentir presa às suas necessidades. Queria não ter necessidades. Queria não ser oprimida pela opinião dos outros. Queria não oprimir os outros com sua opinião. Queria ser mais leve. O tempo passava e cada segundo parecia uma eternidade. Não suportava mais a espera. Queria avançar. E queria não ter que se esconder. Não fugir dos outros. Desejava fincar raízes e voar, ao mesmo tempo. Queria não pensar. Calmos são os ignorantes. Os esclarecidos se tornam insubordináveis, refletiu ela. Aquilo tudo a perturbava. Mil idéias em fragmentos giravam em sua mente. Sentia-se enfraquecida. Tudo aquilo a esgotava. Suas forças iam escorrendo para fora de si, enquanto pensamentos sem razão a completavam. Talvez tudo fosse desabar. E quem iria reconstruir? E como? Era vertigem o que estava sentindo? Agradeceu por ainda ter sensações. Ainda era humana. Será que chegaria em casa? O caminho era longo. Pensou, em frações de segundo, em milhares de desgraças que poderiam lhe ocorrer em seu percurso. Era perigoso viver. A conclusão a fez parar de respirar. O sinal mostrava-se verde. Esperança. Era o que ela pensava. Lembrou-se de respirar. Profundamente. Clarice atravessou a rua. Talvez fosse uma busca perdida. Desperdício de tempo. No entanto, não bastava o desejo, o anseio. Precisava agir. E assim o fez. Avançou.

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